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01/10/2010

Heróis da Corrida – Parte 3

Coluna do treinador

Ainda criança, a norueguesa Grete Waitz já competia nas corridas. Em família. O incentivo para a prática de esportes, no entanto, não era para ela e sim para os irmãos, o que a deixava, a contragosto, de fora das pistas. Grete era jovem demais para entender a discriminação que prevalecia no esporte. Hoje ela é o símbolo da revolução das atletas na Noruega.

Grete cresceu em Oslo, no dia 1° de outubro de 1953. Os primeiros prêmios vieram na adolescência, em campeonatos juniores nos 400 m e 800 m. Em 1970, aos 17 anos, ela cravou o recorde europeu na categoria, correndo 1.500 m em 4min17s. Desde então, a família passou a incentivá-la. Inclusive os dois irmãos mais velhos.

“Deus me deu um dom que eu aprendi a usar desde criança”, diz Grete em depoimento publicado no livro “Primeiras Maratonas”, de Gail Kislevitz. Apesar de ter praticado ginástica, handebol e outros esportes, durante a adolescência, o foco era mesmo na corrida. Os irmãos serviram de exemplo e como eles estavam sempre competindo entre si a esperta menina tratou de observar as técnicas de treinamento que apenas os garotos recebiam. “Outras garotas achavam difícil me vencer.”

Essa provavelmente foi a razão que levou Grete aos Jogos Olímpicos em 1972, aos 18 anos, em Munique. “Eu não esperava quebrar recordes, apenas estar ali apreciando e adquirindo experiência. E eu me diverti muito. Ganhei roupas e ninguém me pressionava. Era como estar em um sítio com minhas melhores amigas”, contou a atleta anos depois.

Era a primeira vez que as mulheres tinham permissão para competir nos 1.500 m nas Olimpíadas. Grete recebeu incentivo de colegas noruegueses em Munique e, na volta, continuou a treinar seriamente. Para garantir seu sustento ela não abriu mão do trabalho como professora e treinava, duas vezes por dia, correndo 75 milhas (120 km) por semana.

Em 1973, a norueguesa bateu os 3.000 m em 8min46s06, quebrando mais um recorde. Novamente, era a primeira vez que mulheres competiam nessa modalidade. Ao fim de 1975, Grete foi classificada como a atleta número um do mundo nos 1.500 m e 3.000 m. Sua presença nas competições –e nos pódios– fazia dela uma importante referência no movimento feminino que tentava conquistar a igualdade dos sexos nas competições esportivas.

Aposentadoria adiada
Em 1978, os planos da atleta eram fazer da maratona de Nova York a corrida de encerramento de uma carreira de dez anos. Além disso, Grete queria passear alguns dias pelo continente americano com o marido, Jack. Assim, conta ela em livro, entrou em contato com a associação de corredores de rua de Nova York para pleitear uma vaga na maratona daquele ano.

Sem nunca ter corrido 42 km e ter excelentes marcas apenas em curtas distâncias, a tentativa foi, inicialmente, em vão. Ela foi recusada.

“Após todos aqueles anos dando aulas o dia inteiro, treinando duas vezes por dia e competindo quase todo fim de semana, eu estava cansada. A maratona de Nova York seria a minha última prova. Mas eu já não tinha esperança que isso acontecesse depois que negaram meu pedido”, admite a atleta, no livro “Primeiras Maratonas”.

Nessa época, Fred Lebow, um dos fundadores da Maratona de Nova York, a convidou para competir nos Estados Unidos. Estava dada a largada para a carreira –e os nove títulos– da loira de rabo de cavalo na famosa prova nova-iorquina.

“Ele conhecia meus recordes, sabia que eu era rápida e perguntou se eu gostaria de participar da prova”. Lebow não esperava que Grete completasse a prova, mas precisava de um “coelho” (alguém que corre forte e puxa os atletas de elite). Como a atleta já havia demonstrado interesse pela prova, ele teria chance de ela topar.

“Para mim foi como uma segunda lua-de-mel. Eu não pensava na maratona, não tinha ideia de como me preparar para uma. Pensava que a minha maior distância, de 12 milhas (19,2 km), seria suficiente para eu chegar à linha de chegada”, conta Grete.

No dia da prova, com mais 13 mil corredores, Grete se posicionou na largada, olhou em volta e não reconheceu ninguém. Ela estava rápida e conseguiu manter o ritmo por um bom pedaço. “Eu fazia uma boa viagem e, de fato, consegui melhorar minha velocidade. Estava bem confortável e, acima de tudo, aquilo era uma corrida!”

A alegria durou até a 19a milha (30,5 km). O corpo chegava a um limiar desconhecido, e Grete nunca havia corrido tão rápido. Não conseguir converter as milhas em quilômetros, unidade de medida a que estava acostumada, a incomodava. Sem saber falar inglês, Grete sentia vergonha de perguntar a distância a alguém. Para as câimbras nos quadríceps o melhor era beber água, pensou. “Mas eu nunca havia experimentado beber água naquela velocidade e acabei completamente molhada. Essa é uma prática que, sem dúvida, deve ser adquirida em treinos.”

Grete continuava a correr forte, sem a menor ideia de onde ela estava e do quanto faltava para o fim da prova. “Qualquer aglomerado de árvores eu já pensava ‘ufa, cheguei no Central Park’. E não era.” Para manter-se motivada ela xingava o marido por incentivá-la a fazer tal loucura. As laranjas oferecidas no percurso substituíram a tentativa frustrada de hidratar-se com água. Aquele era, definitivamente, o percurso mais difícil que Grete havia corrido, e ela não tinha noção de como estava conseguindo.

Finalmente, exausta e dolorida, Grete cruzou e linha de chegada. Imediatamente ela foi surpreendida pelos repórteres e cinegrafistas que empurravam microfones e câmeras em sua direção. “Eu não entendia o que eles estavam falando e eu só queria correr deles. Tudo que eu queria, naquele momento, era achar Jack e ir para casa. Eu não gostei daquela corrida”, afirma a atleta, que naquele momento nem fazia ideia de que acabara de cravar o novo recorde mundial: 2h32min29s8.

O resto, segundo Grete, é história. “Eu não tinha ideia de que eu tinha quebrado o recorde. Me inscrevi tão em cima da hora que o meu número de peito, 1.173, não constava na listagem da prova. Ninguém sabia quem era a loira de rabo de cavalo. Tornar-se repentinamente uma heroína era difícil de entender. Eu era uma corredora e esse era o meu trabalho. Eu fiquei inconformada com todo o alvoroço que os americanos fizeram com a minha vitória.”

Inconformada ou não, Grete voltou à Nova York mais oito vezes e venceu em todas as provas, estabelecendo uma incrível marca de conquistas, que até hoje não foi superada. Para completar, ela ainda quebrou recordes em 1979 e 1980. Não é à toa que a atleta detém o título de padroeira da Maratona de Nova York.

De 15 maratonas disputadas, Grete venceu 13 e registrou quatro recordes mundiais, três em Nova York e um na Maratona Internacional de Londres, com o tempo de 2h25min28s. A atleta ainda conta com cinco títulos mundiais na modalidade de cross-country.

Por: Nanna Pretto

Fonte: http://o2porminuto.uol.com.br/

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Annette Loures
Annette Loures
13 anos atrás

VIVA a todas as mulheres, que como GRETE WAITZ , rompem barreiras e preconceitos!!
ADMIRÁVEL! GRANDE EXEMPLO!!

Abs, Annette.

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